—
S-sim. Digo, sim. Eu mesmo. Entre.
Abri
passagem e diante de mim desfilou uma lindíssima loira de olhos
azuis e boca vermelha saída diretamente de um filme Noir. Alta, de
saltos altos, cabelos longos, vestindo um justíssimo vestido preto
que parece ter ficado mais curto quando ela sentou-se e cruzou as
longas pernas.
Belisquei-me
discretamente só para ter certeza que tava acordado.
Acho que
nem Elena ficaria tão bonita naquele vestido.
Elena...
Olho
para a porta entre-aberta da divisória que separa minha
sala/escritório do restante do Ap. Deslizo até ela e a fecho.
Ligo o ar-condicionado para justificar.
—
Desculpe não ter ligado antes para marcar, Sr. Victor. Mas estou um
tanto aflita...
Mesmo?
Sento-me
numa poltrona à frente dela.
— E o
que lhe aflige, Sra. ...?
— Oh,
perdão. Tá vendo? Meu nome é Susan Baldoni. E estou procurando
meu marido.
Clássico.
—
Continue.
— O
nome dele é Lúcio Baldoni, advogado. Há quatro dias ele não
aparece em casa e não dá notícias. A secretária dele não sabe
dizer onde ele possa estar. Já liguei para os amigos e parentes e
nada. Ninguém sabe de nada.
— Já
foi à polícia?
—
Sim. Sim. Passei horas na delegacia preenchendo papelada. Eles já
estão investigando. Mas, sinceramente, Sr. Victor, acho que
encontrá-lo não está no topo das prioridades deles.
—
Entendo. Só para ficar claro: a senhora quer me contratar para
encontrá-lo?
—
Sim. Se o senhor não estiver ocupado com nenhum outro caso. Quero
que este seja sua prioridade.
—
Sim, naturalmente. - pego meu bloco de notas. — Mas quero que
saiba que depois de quatro dias...
— ...
ele já pode estar morto. Sim, eu sei. Os policiais me disseram.
— Não
é isso. É que agora será certamente mais difícil de encontrá-lo.
— Se
está preocupado com seus honorários, Sr. Victor, fique tranquilo. –
ela abre a bolsa e me entrega um cheque de uma quantia razoável. —
Creio que isto será suficiente para cobrir-lhe as despesas
iniciais.
— Ok,
senhora. Vejo que está determinada. – guardo o cheque, já
pensando num par de alianças. Olho discretamente para a porta da
divisória. Dorme, neném... — Vou precisar de algumas informações
sobre seu marido.
Ela me
dá fotos dele, endereço do escritório no centro, número da placa
do carro, etc.
—
Muito bem. Isso já é um bom começo. Mas agora preciso fazer
algumas perguntas pessoais.
— Já
esperava por isso. Quer saber se ele me traía. A resposta: é
possível.
—
Vocês não estavam bem?
—
Bem? Estávamos ótimos! – diz, coçando o nariz. — Meu marido
era, é um homem maravilhoso. Um homem de bem. Mas homens de bem
também são tentados, não concorda, Sr. Victor?
Ela me
olha tão diretamente nos olhos que chego a ficar embaraçado. E com
um certo sentimento de culpa.
— E o
financeiro? – pergunto rapidamente.
Ela olha
pela janela, para o horizonte, onde o mar e o céu fingem se
encontrar.
—
Tivemos um início difícil. – diz, após alguns instantes. —
Mas de uns seis anos para cá melhoramos bem. Não ficamos ricos.
No entanto, temos uma vida que, digamos, pode-se dar ao luxo de
pequenas regalias.
— Ele
deve ser um bom advogado.
—
Creio que sim. Não entendo de direito e nunca assisti uma atuação
dele no tribunal. Realmente, nunca fui curiosa a respeito disso.
Conhecia... conheço o lado pessoal dele. E isto me basta. Mas como
o dinheiro estava aparecendo, então creio que sua carreira deva
estar em alta.
Cruza
novamente as pernas e tenta ajeitar o curto vestido sobre as coxas.
Um
despertador soa.
Elena...
— Ah,
bem. Isso é o suficiente para começar. – digo, já me levantando
para abrir a porta. — Se não se importa, gostaria de dar uma
olhada no escritório de seu marido.
—
Imaginei isso. – abre a bolsa, retira um pequeno molho de chaves e
me entrega, fazendo questão de apertá-lo em minha mão. — Nunca
foi lá, se quer saber.
— Te
manterei informada. – digo, abrindo a porta.
Ela
desfila pela porta afora, e antes que eu feche ela se vira para mim
com um sorriso, me olhando de cima a baixo.
— Ela
é uma moça de muita sorte.
Sorrio,
embaraçado, sem saber o que dizer. Mas ela segue seu caminho
enquanto, tenho certeza, minha doce vizinha espia tudo pelo
olho-mágico.
Ao
fechar a porta eu sento um calor na nuca, como se fosse a visão de
calor de alguma heroína enfurecida.
Viro-me.
Com certeza é uma mulher-maravilha. E nua! Mas o olhar...
—
Seu... negócio... parece ir bem.
— É
que ela perdeu o marido...
—
Percebi o luto.
— Quero dizer... ele sumiu.
— Sim, meu bem, claro.
— Quero dizer... ele sumiu.
— Sim, meu bem, claro.
Peguei o
cheque e mostrei a ela.
—
Já tô recebendo para isto.
— Se
está sendo pago, é bom fazer bem o serviço.
Não gostei da
mensagem nada subliminar naquelas palavras.
Ela se vira, volta
para o quarto e tranca a porta. E, pela primeira vez, consegue se
aprontar em menos de cinco minutos. Com um beijo seco e um tchau
mais seco ainda se despede.
Por experiência eu
sei que não adianta ir atrás. E também que ela faz muita manha só
para se valorizar (como se precisasse...).
Bem, um problema de
cada vez.
Pego as chaves e o
endereço do escritório.
Vamos ver que casos
nosso advogado tinha.
Prédio
comercial grande, bonito e vistoso no centro do Rio. Moderno, frente
toda espelhada. Nos primeiros dois andares fizeram um mini-shopping
com uma pequena, mas luxuosa, praça de alimentação e algumas lojas
de griffes famosas.
Coloquei
meu melhor (e único) terno. Presente advinhe de quem? Assim dá
para andar tranquilo pelo andares dos escritórios sem chamar a
atenção de ninguém. Descolei até um grosso volume de direito
tributário e um pequeno volume de direitos civis.
Pego o
elevador. E por sorte sobe junto uma linda mulata. Ela me olha de
cima a baixo e dá um leve sorriso que me parece mais de desdém.
Será a gravata? Miro-me no enorme espelho que, não sei porque,
insistem em colocar em alguns desses elevadores.
Ok. O
nó da gravata tá meio torto. E terno não tão bem passado.
Conselho:
se você for um executivo em ascensão, não brigue com a patroa.
Ou, pelo menos, tenha um boa empregada.
Vigéssimo
primeiro andar. Pelo menos o cara sonha alto.
Ali
está. Lúcio Baldoni em letras elegantes numa placa de vidro.
Uso as
chaves que Susan... Sra. Baldoni me emprestou.
Entro
numa ante-sala pequena, mas confortável. Aqui, a mesinha da
secretária, extremamente organizada. Ali, uma poltrona de três
lugares e no canto um grande vaso de flores artificiais.
Acendo
as luzes, fecho a porta e ligo o ar-condicionado. Passo pela
divisória e entro no escritório propriamente dito. Não é nada
grande. Mas tem espaço suficiente para uma grande estante com
volumosos livros sobre direito e uma belíssima mesa em granito azul.
Sim, azul. Só tinha visto um desses em fotos. É magnífico. Se
a intensão é impressionar a clientela, funciona.
Na
parede, perto da mesa, uma foto grande e emoldurada dele com sua bela
esposa. Parecem felizes.
Sentei
na confortável cadeira e comecei a vasculhar a papelada e os dossiês
de processos. Estranho. Parecia que ele fazia coleção. Havia
dossiês de processos já transitados em julgado há mais de seis
anos. Em aberto mesmo havia apenas uma dúzia. Deviam ser clientes
bem ricos para ele conseguir manter o padrão de vida que possui.
Ligo
para Susan... tá, Sra. Baldoni, e pergunto pela secretária. Ela
não sabe responder. Ele nunca mencionara o nome dela. Era sempre
“a minha secretária”.
Dou uns
dois giros na cadeira, pensativo. Olha só, pela janela dá para se
ver o Cristo Redentor. E aí, grande chefe, dá uma ajuda aqui para
o seu amigo. Tá, eu sei que já tô te devendo... Sim, tem mais de
um mês que não vou à igreja... Dízimo? Eh, bem... deixa que eu me
viro.
Fico
mais alguns minutos pensativo, olhando aquele quadro na parede.
Hum...
Levanto-me
e afasto o quadro. Sim. Aqui está ele: o cofre. Clássico, mas
nada inteligente. Agora é só abri-lo. Só...
Tento o
óbvio, a data de nascimento dele. Quem sabe... Não. Nada. Ele
não era tão burro assim.
Sento-me
novamente na cadeira.
Será
que a Sra. Baldoni sabe a senha?
Hum...
Levanto-me novamente e rodo o segredo. Isso! Abriu. A data de
nascimento da esposa. Nada inteligente. Nadinha mesmo.
Retiro
algumas pastas dele e começo a examinar os documentos.
O quê?
Cadê o dinheiro? Considerando a inteligência do nosso amigo até
que seria possível encontrar algum. Mas não. Pelo menos isso ele
deveria guardar no lugar certo: o banco.
Nenhum
documento de grande valor por si só. Talvez estivessem no cofre
apenas para ficar longe de algum olhar mais bisbilhoteiro.
Seguro
da casa no valor de quinhentos mil reais. Uma boa cifra.
Seguro
de um Toyota Corola do ano.
Bom
carro, boa casa e, com certeza, uma boa mulher. Não dá para um
cara desses querer sumir. Temo pelo pior.
Hum...
chaves de um Volkswagen. Provavelmente a reserva. Por que dentro de
um cofre?
Boa.
Cartões de estacionamento. Dois perto daqui. Outro, perto da
estação Central do Brasil. Hum... Três estacionamentos.
Ligo a
copiadora e copio alguns documentos. Podem ser úteis mais tarde.
Uso o
celular e filmo todo o escritório e tiro algumas fotos. Mais tarde
dou uma olhada para ver se deixei passar algo.
Uma
última olhada, desligo tudo e saio.
—
Algum problema com o dr. Lúcio?
É a
bela mulata que subiu comigo no elevador.
— Você o conhece?
— Só de vista. Ele não é de falar muito.
— Então não deve ser tão bom advogado.
— Ela sorri.
— Você o conhece?
— Só de vista. Ele não é de falar muito.
— Então não deve ser tão bom advogado.
— Ela sorri.
Percebo
uma belíssima loira alta nos observando de uma das salas.
— Parece
que sua chefe quer falar contigo.
— Hein? - ela olha em direção à loira. — Ah, sim, - e se volta
para mim — Ela é minha secretária.
Ai!...
E eu ainda me considero detetive. Só porque a outra é loira e esta
é mulata, pensei que...
— Me chamo Julia. Também sou advogada.
— Me chamo Julia. Também sou advogada.
Parece
que ela percebeu meu embaraço.
—
Victor Liev. E não, não sou advogado. Estou só fazendo um favor
para a Sr. Susan.
— Um favor?
— É. Parece que o marido também não tem comparecido em casa.
— Céus! Será que aconteceu alguma coisa? Ela já deu queixa na polícia?
— Já. Não estiveram aqui?
— Não. O senhor é detetive?
— Particular, sim. - embora a mancada não me desse crédito.
— Um favor?
— É. Parece que o marido também não tem comparecido em casa.
— Céus! Será que aconteceu alguma coisa? Ela já deu queixa na polícia?
— Já. Não estiveram aqui?
— Não. O senhor é detetive?
— Particular, sim. - embora a mancada não me desse crédito.
Novamente
ela sorri. Parece que seus olhos dizem: “Pobre Lúcio. Tá
perdido.”
Entrego-lhe um
cartão e peço que me ligue, ou para a Sra. Susan, se souber de
algo.
Desço pelo elevador.
Que bela mulata!
Elena...