segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

SEM BONÉ, LUPA E CACHIMBO (parte II)



— S-sim. Digo, sim. Eu mesmo. Entre.
Abri passagem e diante de mim desfilou uma lindíssima loira de olhos azuis e boca vermelha saída diretamente de um filme Noir. Alta, de saltos altos, cabelos longos, vestindo um justíssimo vestido preto que parece ter ficado mais curto quando ela sentou-se e cruzou as longas pernas.
Belisquei-me discretamente só para ter certeza que tava acordado.
Acho que nem Elena ficaria tão bonita naquele vestido.
Elena...
Olho para a porta entre-aberta da divisória que separa minha sala/escritório do restante do Ap. Deslizo até ela e a fecho. Ligo o ar-condicionado para justificar.
— Desculpe não ter ligado antes para marcar, Sr. Victor. Mas estou um tanto aflita...
Mesmo?
Sento-me numa poltrona à frente dela.
— E o que lhe aflige, Sra. ...?
— Oh, perdão. Tá vendo? Meu nome é Susan Baldoni. E estou procurando meu marido.
Clássico.
— Continue.
— O nome dele é Lúcio Baldoni, advogado. Há quatro dias ele não aparece em casa e não dá notícias. A secretária dele não sabe dizer onde ele possa estar. Já liguei para os amigos e parentes e nada. Ninguém sabe de nada.
— Já foi à polícia?
— Sim. Sim. Passei horas na delegacia preenchendo papelada. Eles já estão investigando. Mas, sinceramente, Sr. Victor, acho que encontrá-lo não está no topo das prioridades deles.
— Entendo. Só para ficar claro: a senhora quer me contratar para encontrá-lo?
— Sim. Se o senhor não estiver ocupado com nenhum outro caso. Quero que este seja sua prioridade.
— Sim, naturalmente. - pego meu bloco de notas. — Mas quero que saiba que depois de quatro dias...
— ... ele já pode estar morto. Sim, eu sei. Os policiais me disseram.
— Não é isso. É que agora será certamente mais difícil de encontrá-lo.
— Se está preocupado com seus honorários, Sr. Victor, fique tranquilo. – ela abre a bolsa e me entrega um cheque de uma quantia razoável. — Creio que isto será suficiente para cobrir-lhe as despesas iniciais.
— Ok, senhora. Vejo que está determinada. – guardo o cheque, já pensando num par de alianças. Olho discretamente para a porta da divisória. Dorme, neném... — Vou precisar de algumas informações sobre seu marido.
Ela me dá fotos dele, endereço do escritório no centro, número da placa do carro, etc.
— Muito bem. Isso já é um bom começo. Mas agora preciso fazer algumas perguntas pessoais.
— Já esperava por isso. Quer saber se ele me traía. A resposta: é possível.
— Vocês não estavam bem?
— Bem? Estávamos ótimos! – diz, coçando o nariz. — Meu marido era, é um homem maravilhoso. Um homem de bem. Mas homens de bem também são tentados, não concorda, Sr. Victor?
Ela me olha tão diretamente nos olhos que chego a ficar embaraçado. E com um certo sentimento de culpa.
— E o financeiro? – pergunto rapidamente.
Ela olha pela janela, para o horizonte, onde o mar e o céu fingem se encontrar.
— Tivemos um início difícil. – diz, após alguns instantes. — Mas de uns seis anos para cá melhoramos bem. Não ficamos ricos. No entanto, temos uma vida que, digamos, pode-se dar ao luxo de pequenas regalias.
— Ele deve ser um bom advogado.
— Creio que sim. Não entendo de direito e nunca assisti uma atuação dele no tribunal. Realmente, nunca fui curiosa a respeito disso. Conhecia... conheço o lado pessoal dele. E isto me basta. Mas como o dinheiro estava aparecendo, então creio que sua carreira deva estar em alta.
Cruza novamente as pernas e tenta ajeitar o curto vestido sobre as coxas.
Um despertador soa.
Elena...
— Ah, bem. Isso é o suficiente para começar. – digo, já me levantando para abrir a porta. — Se não se importa, gostaria de dar uma olhada no escritório de seu marido.
— Imaginei isso. – abre a bolsa, retira um pequeno molho de chaves e me entrega, fazendo questão de apertá-lo em minha mão. — Nunca foi lá, se quer saber.
— Te manterei informada. – digo, abrindo a porta.
Ela desfila pela porta afora, e antes que eu feche ela se vira para mim com um sorriso, me olhando de cima a baixo.
— Ela é uma moça de muita sorte.
Sorrio, embaraçado, sem saber o que dizer. Mas ela segue seu caminho enquanto, tenho certeza, minha doce vizinha espia tudo pelo olho-mágico.
Ao fechar a porta eu sento um calor na nuca, como se fosse a visão de calor de alguma heroína enfurecida.
Viro-me. Com certeza é uma mulher-maravilha. E nua! Mas o olhar...
— Seu... negócio... parece ir bem.
— É que ela perdeu o marido...
— Percebi o luto.
— Quero dizer... ele sumiu.
— Sim, meu bem, claro.
Peguei o cheque e mostrei a ela.
— Já tô recebendo para isto.
— Se está sendo pago, é bom fazer bem o serviço.
Não gostei da mensagem nada subliminar naquelas palavras.
Ela se vira, volta para o quarto e tranca a porta. E, pela primeira vez, consegue se aprontar em menos de cinco minutos. Com um beijo seco e um tchau mais seco ainda se despede.
Por experiência eu sei que não adianta ir atrás. E também que ela faz muita manha só para se valorizar (como se precisasse...).
Bem, um problema de cada vez.
Pego as chaves e o endereço do escritório.
Vamos ver que casos nosso advogado tinha.

Prédio comercial grande, bonito e vistoso no centro do Rio. Moderno, frente toda espelhada. Nos primeiros dois andares fizeram um mini-shopping com uma pequena, mas luxuosa, praça de alimentação e algumas lojas de griffes famosas.
Coloquei meu melhor (e único) terno. Presente advinhe de quem? Assim dá para andar tranquilo pelo andares dos escritórios sem chamar a atenção de ninguém. Descolei até um grosso volume de direito tributário e um pequeno volume de direitos civis.
Pego o elevador. E por sorte sobe junto uma linda mulata. Ela me olha de cima a baixo e dá um leve sorriso que me parece mais de desdém. Será a gravata? Miro-me no enorme espelho que, não sei porque, insistem em colocar em alguns desses elevadores.
Ok. O nó da gravata tá meio torto. E terno não tão bem passado.
Conselho: se você for um executivo em ascensão, não brigue com a patroa. Ou, pelo menos, tenha um boa empregada.
Vigéssimo primeiro andar. Pelo menos o cara sonha alto.
Ali está. Lúcio Baldoni em letras elegantes numa placa de vidro.
Uso as chaves que Susan... Sra. Baldoni me emprestou.
Entro numa ante-sala pequena, mas confortável. Aqui, a mesinha da secretária, extremamente organizada. Ali, uma poltrona de três lugares e no canto um grande vaso de flores artificiais.
Acendo as luzes, fecho a porta e ligo o ar-condicionado. Passo pela divisória e entro no escritório propriamente dito. Não é nada grande. Mas tem espaço suficiente para uma grande estante com volumosos livros sobre direito e uma belíssima mesa em granito azul. Sim, azul. Só tinha visto um desses em fotos. É magnífico. Se a intensão é impressionar a clientela, funciona.
Na parede, perto da mesa, uma foto grande e emoldurada dele com sua bela esposa. Parecem felizes.
Sentei na confortável cadeira e comecei a vasculhar a papelada e os dossiês de processos. Estranho. Parecia que ele fazia coleção. Havia dossiês de processos já transitados em julgado há mais de seis anos. Em aberto mesmo havia apenas uma dúzia. Deviam ser clientes bem ricos para ele conseguir manter o padrão de vida que possui.
Ligo para Susan... tá, Sra. Baldoni, e pergunto pela secretária. Ela não sabe responder. Ele nunca mencionara o nome dela. Era sempre “a minha secretária”.
Dou uns dois giros na cadeira, pensativo. Olha só, pela janela dá para se ver o Cristo Redentor. E aí, grande chefe, dá uma ajuda aqui para o seu amigo. Tá, eu sei que já tô te devendo... Sim, tem mais de um mês que não vou à igreja... Dízimo? Eh, bem... deixa que eu me viro.
Fico mais alguns minutos pensativo, olhando aquele quadro na parede. Hum...
Levanto-me e afasto o quadro. Sim. Aqui está ele: o cofre. Clássico, mas nada inteligente. Agora é só abri-lo. Só...
Tento o óbvio, a data de nascimento dele. Quem sabe... Não. Nada. Ele não era tão burro assim.
Sento-me novamente na cadeira.
Será que a Sra. Baldoni sabe a senha?
Hum... Levanto-me novamente e rodo o segredo. Isso! Abriu. A data de nascimento da esposa. Nada inteligente. Nadinha mesmo.
Retiro algumas pastas dele e começo a examinar os documentos.
O quê? Cadê o dinheiro? Considerando a inteligência do nosso amigo até que seria possível encontrar algum. Mas não. Pelo menos isso ele deveria guardar no lugar certo: o banco.
Nenhum documento de grande valor por si só. Talvez estivessem no cofre apenas para ficar longe de algum olhar mais bisbilhoteiro.
Seguro da casa no valor de quinhentos mil reais. Uma boa cifra.
Seguro de um Toyota Corola do ano.
Bom carro, boa casa e, com certeza, uma boa mulher. Não dá para um cara desses querer sumir. Temo pelo pior.
Hum... chaves de um Volkswagen. Provavelmente a reserva. Por que dentro de um cofre?
Boa. Cartões de estacionamento. Dois perto daqui. Outro, perto da estação Central do Brasil. Hum... Três estacionamentos.
Ligo a copiadora e copio alguns documentos. Podem ser úteis mais tarde.
Uso o celular e filmo todo o escritório e tiro algumas fotos. Mais tarde dou uma olhada para ver se deixei passar algo.
Uma última olhada, desligo tudo e saio.
— Algum problema com o dr. Lúcio?
É a bela mulata que subiu comigo no elevador.
— Você o conhece?
— Só de vista. Ele não é de falar muito.
— Então não deve ser tão bom advogado.
— Ela sorri.
Percebo uma belíssima loira alta nos observando de uma das salas.
— Parece que sua chefe quer falar contigo.
—  Hein? - ela olha em direção à loira. — Ah, sim, - e se volta para mim — Ela é minha secretária.
Ai!... E eu ainda me considero detetive. Só porque a outra é loira e esta é mulata, pensei que...
— Me chamo Julia. Também sou advogada.
Parece que ela percebeu meu embaraço.
— Victor Liev. E não, não sou advogado. Estou só fazendo um favor para a Sr. Susan.
— Um favor?
— É. Parece que o marido também não tem comparecido em casa.
— Céus! Será que aconteceu alguma coisa? Ela já deu queixa na polícia?
— Já. Não estiveram aqui?
— Não. O senhor é detetive?
— Particular, sim. - embora a mancada não me desse crédito.
Novamente ela sorri. Parece que seus olhos dizem: “Pobre Lúcio. Tá perdido.”
Entrego-lhe um cartão e peço que me ligue, ou para a Sra. Susan, se souber de algo.
Desço pelo elevador.
Que bela mulata!
Elena...


parte I                                                                                                                              parte III


Nenhum comentário:

Postar um comentário